terça-feira, 15 de novembro de 2011

Sectores Marítimos: as mulheres cada vez mais presentes


No imaginário colectivo, o meio profissional marítimo foi durante muito tempo associado a um universo masculino. O papel e o estatuto das mulheres nas actividades marítimas evoluíram consideravelmente ao longo dos últimos 20 anos, em matéria de estatuto jurídico, de acesso ao emprego, mas também de visibilidade. Desde 2009, o projecto FEMMAR da Universidade de Nantes reúne investigadores de diferentes disciplinas para estudar os processos sociológicos, jurídicos, económicos e geo- gráficos relacionados com estas evoluções... e compreender os paradoxos que daí possam resultar.

A Universidade de Nantes, em França (Pays de la Loire), desen- volve numerosas áreas de formação e de investigação especiali- zadas no domínio marítimo. É portanto com toda a naturalidade que uma equipa pluridisciplinar composta por juristas, geógra- fos, sociólogos e economistas decidiu estudar a evolução do papel e do estatuto das mulheres nas actividades marítimas.

O seu projecto de investigação, denominado FEMMAR, foi lançado em 2009 com um financiamento de três anos por parte da região Pays de la Loire. O projecto apresenta igual- mente uma dimensão europeia graças a uma colaboração com universidades inglesas, bascas e galegas.

«O objectivo deste estudo era o de verificar em que medida as coisas evoluíram relativamente à imagem antiquada da mulher de mari- nheiro que espera em casa pelo seu marido viajante, explica Pierrick Olivier, um dos investigadores. Além disso, em alguns sectores marítimos, as mulheres reúnem-se em associações de que apenas se ouve falar em caso de crise. Um tal projecto de investigação permite-lhes exprimirem-se fora dos períodos de crise.»

Um inquérito estatístico

No centro do projecto: um inquérito qualitativo cujo objectivo era o de fazer o balanço sobre o lugar das mulheres no seu meio profissional, dando uma atenção particular aos problemas com

que se debatem e às possíveis soluções. O inquérito foi apoiado por várias associações profissionais e femininas, que difundiram o questionário junto dos seus membros. O inquérito em papel foi complementado por entrevistas individuais.

O estudo permitiu obter 408 respostas analisáveis de mulhe- res entre os 18 e os 78 anos. As respostas vêm maioritaria- mente de França (81 %), sendo as restantes da fachada atlântica da Espanha. Do ponto de vista dos sectores de acti- vidade, a repartição é a seguinte: 33 % das inquiridas trabalham no sector das pescas marítimas, 18 % no ramo conquícola

da aquicultura, 32 % na marinha mercante e 17 % na marinha nacional francesa. Obtiveram-se respostas de mulheres que trabalham noutros sectores marítimos, mas em número dema- siado reduzido para que sejam analisáveis de um ponto de vista estatístico. Dentre as mulheres interrogadas, mais de metade possui um estatuto de trabalhador assalariado (55 %), as restantes são chefes de empresa (16 %) e esposas colabo- radoras (9 %). 20 % são não remuneradas. Mais de um quarto das mulheres inquiridas navegam.

Dentre as que trabalham no sector da pesca, 45 % têm respon- sabilidades na gestão da empresa, 41 % na produção e 22 % na actividade comercial. Apenas 11 % navega.

O inquérito debruçou-se sobre numerosos aspectos da vida profissional dessas mulheres. Apenas nos referiremos a alguns deles.

O primeiro é a sua confiança relativamente à perenidade do seu sector de actividade. A confiança é mais elevada nas mari- nhas mercante e militar e relativamente mais baixa na pesca e conquicultura. Segundo os investigadores da Universidade de Nantes, esta percepção relaciona-se com o estatuto das trabalhadoras: as trabalhadoras da marinha apresentam uma maior confiança no futuro do que as que se ocupam de pequenas empresas geralmente familiares (e frágeis) de pesca e aquicultura. É de sublinhar que, paralelamente a esta conclusão, 9 % das mulheres têm de recorrer a um trabalho complementar (principalmente as do sector da pesca) e 12 % trabalham apenas a tempo parcial.

A maioria das mulheres que trabalha nestes sectores marítimos mostra-se contente com a sua profissão. Mais de metade (54 %) voltaria a fazer a mesma escolha, mas, paradoxalmente, 68 % não aconselharia os filhos a seguir a mesma profissão. Quanto à motivação, é de notar que 23 % das mulheres escolheram

a sua profissão pelo prazer, 17 % pela possibilidade de conciliar a vida familiar e a vida profissional (para a pesca e a conquicul- tura) e 15 % pelos rendimentos.

As relações associativas são muito importantes para as mulhe- res inquiridas, sobretudo em Espanha. A este nível, as diver- gências por sector e por país são bastante significativas. Assim, 65 % das mulheres que trabalham nos sectores da pesca e da conquicultura estimam que o reconhecimento das associa- ções de mulheres é insuficiente. Mas esta média esconde uma grande disparidade entre países, caindo a proporção para 49 % em Espanha e ascendendo a 83 % em França. Na mari- nha, 84 % das mulheres estima que as associações femininas não são suficientemente tidas em consideração.

Outro aspecto importante: o assédio no local de trabalho. As mulheres que se dizem vítimas de assédio representam apenas 5 % das pessoas inquiridas nos sectores da pesca e da conquicultura, mas correspondem a 35 % na marinha. Tal dife- rença explica-se pelas relações hierárquicas, mais presentes na marinha. De uma forma mais alargada, 32 % das mulheres, no conjunto de todos os sectores, declara ter sido sujeita a discri- minações na sua vida profissional pelo facto de pertencer ao género feminino. Outro facto significativo: nos sectores da pesca e da marinha mercante, as pessoas interrogadas quei- xam-se da insuficiência dos equipamentos, nomeadamente sanitários, reservados às mulheres nos barcos.

Por fim, um facto significativo da lenta evolução das mentalida- des, neste sector como noutros: na repartição do trabalho doméstico, este continua a ser maioritariamente atribuído às mulheres, sobretudo nos sectores da pesca e da conquicultura, onde 61% das mulheres declara assegurar mais de três quartos das tarefas domésticas e da educação das crianças. No sector da marinha, esta proporção é de 38 %.

Necessidade de se exprimir

Este projecto de investigação mostrou que o lugar da mulher nos sectores marítimos é de uma importância crescente. A ver- tente jurídica do projecto demonstrou que as regulamentações

nacionais e europeias suprimiram as discriminações legais e que este terreno favorável permitiu uma feminização destes sectores, antigamente dominados pelos homens. Existe actualmente um número crescente de mulheres que são chefes de empresas, oficiais de marinha e capitães de pesca. Estas mulheres têm uma contribuição a dar ao universo do trabalho marítimo e precisam de o exprimir. O projecto FEMMAR tem demonstrado isso mesmo.

Numa recente intervenção no Parlamento Europeu, Maria Damanaki, Comissária Europeia das Pescas e dos Assuntos Marítimos, sublinhou a importância do papel das mulheres no desenvolvimento do sector da pesca e da aquicultura. Insistiu na necessidade de reforçar esse papel, «porque existe uma contradição inaceitável entre, por um lado, o papel que desempenham e a riqueza que criam e, por outro lado, o seu reco- nhecimento social e a sua falta de acesso aos benefícios sociais».

Este projecto acaba de entrar no seu último ano de financia- mento. Na agenda: a realização de um filme de vídeo com base nas entrevistas qualitativas levadas a cabo após o inqué- rito, bem como de uma obra destinada a sublinhar o papel dessas mulheres do mar junto do grande público. Para encerrar o projecto, terá lugar um colóquio internacional em Nantes, a 6 e 7 de Junho próximo, para proceder ao balanço dos resultados do projecto e iniciar um debate entre o(a)s participantes.

Para mais informações: http://femmar.free.fr/

(artigo extraído da revista " A Pesca e a aquicultura na Europa" edição nº 51 de Maio de 2011)

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Ilídia Bettencourt mulher da pesca na ilha Graciosa

Ilídia Bettencourt é uma grande mulher da pesca natural da ilha Graciosa. Em 1993 tirou a cédula marítima e vai ao mar desde esta altura. Tem um barco chamado "Lagosta" e sempre que o tempo permite sai para o mar em busca de sustento.

Ilídia não tinha qualquer ligação com o sector piscatório, pois a sua família vivia da agricultura. Foi quando casou com um pescador que teve conhecimento de uma nova realidade.

Inicialmente remendava redes, preparava a isca e o engodo, depois de alguns anos decidiu tirar a cédula marítima.

Nesta altura Ilídia sentiu-se um pouco discriminada, algumas mulheres criticavam-na por considerarem que ir para o mar era trabalho de homens. Por outro lado, os homens apesar de estranharem eram mais atenciosos e ajudavam no que podiam.

Ilídia Bettencourt tem duas filhas, e ambas estão ligadas à pesca, num sector dito de homens souberam impor a sua vontade seguindo as pegadas da mãe. Uma das filhas tem mesmo cédula marítima e vai para o mar com a mãe sempre que possível.

Apesar das dificuldades que o sector piscatório atravessa Ilídia sempre apoiou a decisão das filhas, segundo ela a crise está instalada em todos os sectores, temos que saber ultrapassá-la. Quem tem barcos deve tentar mantê-los quem não tem não é uma boa altura para investir.

Ilídia Bettencourt é sócia e membro dos corpos sociais da Ilhas em Rede, Associação de Mulheres na Pesca nos Açores. Para ela é muito importante a existência desta associação que trabalha para a visibilidade e reconhecimento do trabalho das mulheres na pesca.

Ilídia refere que as actividades desenvolvidas pela Ilhas em Rede, como por exemplo os encontros, formações, e o Teatro d@ Oprimid@ têm um papel muito importante para o desenvolvimento pessoal e profissional das mulheres na pesca.||

Texto e foto: Joana Medeiros